Vinicius Ribeiro - Arquiteto, Urbanista e Professor Universitário

Política para os cidadãos e não para os governantes

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Política para os cidadãos e não para os governantes
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No clássico romance “Os miseráveis” (1862), de Victor Hugo, o personagem Jean Valjean encarna um rude trabalhador francês que, diante da miséria, passa fome com sua irmã e sobrinhos, rouba um pão e é preso por dezenove anos pelo delito cometido. Os grilhões da lei francesa na Era Napoleônica o acorrentam para além da prisão em Toulon. Sua condenação traz consequências psíquicas e sociais mais intensas. Diante das injustiças a que o Estado lhe submete – uma condenação bruta pela fome –, Jean Valjean se rebela contra tudo e contra todos, adotando uma índole e uma conduta verdadeiramente criminosas. Sua história sofrerá um revés somente depois do contato com o generoso bispo de Digne, Dom Benvindo, que reconhecerá sua humanidade e sua cidadania.

A bem da verdade, se Jean Valjean representa a vida difícil de muitos cidadãos franceses nos primeiros anos do século XIX, ele também simboliza, sob diversos aspectos, o cenário de uma batalha injusta travada em nossa própria democracia de hoje. Valjean não era apenas um condenado pela lei: era um condenado por aquilo que a lei representava. A tirania do Estado francês, que sob a guilhotina e os campos forçados o condenava ao repúdio social, é a mesma que hoje nos coloca diante de um polo de forças muito desigual no Brasil – marcado pela visível incompatibilidade entre os interesses dos cidadãos e aqueles dos governantes, ou, melhor dito, entre as necessidades dos que constituem a maior parte da sociedade e as daqueles que, liderando-a, costumam usufruir da lei em favor de seus propósitos e benefícios próprios.

Já é consenso há bastante tempo o entendimento de que a política brasileira não corresponde aos anseios de seus cidadãos. Vivemos uma crise em nossa democracia que maximiza os efeitos sentidos por Valjean nas galés de Toulon. O sentimento é de impotência; de que não há nada a se fazer com o fim de mudar nossa sorte. Em plena época na qual os agitos eleitorais começam a tomar forma, muitas pessoas têm reafirmado seu posicionamento em favor do voto branco ou do voto nulo. Outros, por sua vez, em uma atitude que revela um certo desespero, têm se agarrado a candidatos messiânicos – presos ou livres – que, em sua visão, têm a coragem necessária para enfrentar os problemas do país. Mas a questão não reside exatamente em que pessoas, partidos ou grupos são capazes de mudar o nosso destino, e sim em quais ideias podem ajudar a pavimentar um novo caminho para o exercício da cidadania no Brasil.

A desesperança política de nossos pares se assemelha à profunda desilusão de Jean Valjean, desencadeada quando da libertação de sua pena. Chegando a Digne, depois de caminhar muitas léguas, o personagem não encontra teto sob o qual dormir. Sua vida se resume à apresentação de um passaporte amarelo, que atesta sua marginalidade. A rotina do eleitor brasileiro segue um rito semelhante: ano sim, ano não, ele volta às urnas, munido de seu título eleitoral, mas suas expectativas são sempre frustradas. Enquanto cidadãos, somos presos e escravizados em nossos reais interesses, em detrimento de uma política que funciona o tempo todo como balcão de negócios. Que a política seja um lugar de disputas e embates, isso não é nenhuma novidade; mas o que nos impressiona é o teor altamente antiético das relações que nela se desenvolvem, sob a marca da corrupção. Nós perdemos muito tempo discutindo ideologia ao invés de resolvermos o problema de quem os elegeu.

Afinal, o que é o foro privilegiado, senão uma carta aberta para roubar? Jean Valjean furtava um pão para matar a fome de sua família, mas o Imperador e seus amigos roubavam o povo com abusivos impostos para manter o alto nível de suas vidas de luxo e ostentação. Paradoxo que imprime na política o selo da inversão de valores da sociedade. Não estamos muito longe do modos operandi da política francesa daqueles tempos, ao menos nos núcleos do poder que regulam diretamente a vida social e controlam os recursos financeiros que deveriam servir ao nosso bem-estar. O que presenciamos todos os dias é apenas uma atualização das injustiças. Vemo-nos acorrentados diante das farras da classe política, enquanto nos sentimos presos como Valjean, sem que possamos nos defender. E, ainda por cima, não nos sentimos aptos a participar do processo político, porque isso nos beira a uma imersão na sujeira toda.

O grande contraponto à narrativa da política como um campo intrinsecamente ligado à corrupção, entretanto, está na integridade das práticas de poucas, mas virtuosas pessoas. Nem tudo está perdido para quem encontra um Dom Benvindo na cidade de Digne. Foi o que aconteceu com Jean Valjean, regenerado pelo exemplo da bondade do bispo. Acolhido, humanizado e valorizado, ele conseguiu recompor sua existência honestamente, a partir de um ato de generosidade de alguém que, para ele, era apenas mais um integrante do todo-monstruoso que constituía a sociedade tirânica. Uma ideia inscrita na ação, mais do que no discurso, fez com que a vida de um miserável homem pudesse ser reconstruída com base nos valores da generosidade e da honestidade.

A política pode estar para nós – “os miseráveis” – assim como a sociedade e o Estado estiveram um dia para Valjean: sombria, assustadora, desafiadora, e até repugnante. Ainda assim, precisamos não perder de vista sua importância: dela partem as decisões que podem alterar o nosso presente e o nosso futuro. Participar da política é uma decisão que cabe a cada um de nós, mas as consequências do processo decisório nos sobrevêm a todos. No encontro com o bispo de Digne, sejamos o Jean Valjean recuperado. E na política atual, que ela seja para o cidadão e não para o político, para o governado e não para o governante.

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